Região a 290km a oeste do Recife oferece vista para paisagens lindas, passeio por sítios arqueológicos e contato com artesãos
Trilha do Santuário, no Vale do Catimbau: paraíso ainda pouco explorado em Pernambuco Eduardo Vessoni |
Savana com arena para rituais sagrados, pirâmides de pedra que quase tocam o céu, rocha que confunde a mente e estruturas coloridas que “flutuam” sobre a mata. Parece coisa de outro mundo, mas é o Vale do Catimbau, onde nunca se sabe se é agreste ou sertão. A 290km a oeste do Recife, no interior de Pernambuco, a região com trilhas de visual potente e o segundo maior conjunto de pinturas rupestres do Brasil é um dos cenários de “Mar do sertão”, atual novela das seis da TV Globo, e já foi vista no cinema (“Árido movie” e “Big Jato”) e em videoclipe.
— É uma
região plural e superlativa, onde a vastidão toma conta e a aceleração do mundo
não tem espaço — diz Jam da Silva, músico recifense que gravou em 2008 cenas na
Trilha do Chapadão para o clipe da canção “Gaiola da saudade”, no álbum “Nord”.
A pequena Buíque é a principal
cidade de acesso ao Parque Nacional do Catimbau, uma área de 62 mil hectares
que guarda as principais atrações e que acaba de fazer 20 anos de criação. Por
ali, a imaginação é teimosa, e bastam criatividade e uma certa disposição para
caminhar. Do resto, esta maravilha de Pernambuco se encarrega. Lagarto, dragão
e tartaruga. Por onde se olha sempre tem uma rocha que faz exercitar a
“teimosia da imaginação”, como os guias chamam a habilidade de ver figuras em
formações rochosas talhadas pela chuva e pelo vento, há 400 milhões de anos.
Trilha dos Lapiás, no Vale do Catimbau: lugar é fértil em pinturas rupestres — Foto: Eduardo Vessoni
É tudo
lindo, mas ainda falta ser descoberto pelo brasileiro. Com apenas 900
visitantes por mês, o turismo na área “ainda é incipiente, necessitando de
maiores investimentos para se tornar mais atrativo”, explica o geólogo Rogério
Valença Ferreira do SGB (Serviço Geológico do Brasil).
— A principal atração é sua
paisagem, que reflete os elementos geológicos e o bioma caatinga, em cenários
deslumbrantes para apreciação dos turistas, assim como para atividades
educativas — descreve Rogério, um dos envolvidos no projeto de criação do
futuro Geoparque Catimbau-Pedra Furada, conjunto de geossítios na área do
parque nacional e seu entorno.
Vista geral ao percorrer a Trilha do Chapadão, no Vale do Catimbau — Foto: Eduardo Vessoni
O parque tem 13 trilhas
oficiais, feitas obrigatoriamente com o acompanhamento de um guia da Aconturc,
associação na vila do Vale do Catimbau, distrito de Buíque. O terreno
acidentado e de pouca variação de altitude tem caminhadas de dificuldade média,
a partir de 300 metros de extensão.
Vale da Lua, na Trilha do Santuário: anfiteatro natural era lugar de rituais — Foto: Eduardo Vessoni |
A viagem
segue em trilhas como a das Torres, trecho circular por rochas que lembram
pirâmides sobre mirantes naturais com vista de 360° do vale. A trilha íngreme
de 2,5km (ida e volta) pode ser combinada com a dos Lapiás, formação rochosa
modelada pela água e com camadas que parecem ondas coloridas que pintam
estruturas parecidas com favos de mel.
Já a Trilha da Igrejinha é uma
caminhada curta de 300 metros até uma estrutura natural em forma de arcos que,
como dizem por ali, é a “porta de uma igreja gótica de um castelo medieval”.
Catimbau
faz parte do Corredor Ecológico da Caatinga, instrumento de gestão e
organização que interliga oito unidades de conservação em cinco estados do
Nordeste (Pernambuco, Bahia, Sergipe, Piauí e Alagoas).
— É um centro muito biodiverso e
uma região fundamental para a conservação de espécies endêmicas, como lagarto e
cobra-cega — explica Camila Chagas Correia, do Instituto SOS Caatinga.
Paisagem que se pode apreciar da Trilha do Santuário — Foto: Eduardo Vessoni |
É tudo tão
preservado que o cenário parece ter sido feito ainda ontem. Mas há milhares de
anos já tinha gente para ver tudo aquilo que tinha para ver. A prova é o
esqueleto de uma mulher de cerca de 1,60 metro que teria vivido no Catimbau, há
mais de seis mil anos, e atualmente em exposição no pequeno museu do centro de
Buíque.
— Essa ossada é o marco para a
criação do parque nacional. É a partir desse achado que começa o processo de
demarcação como uma área de proteção — explica o pesquisador Paulo Cesar
Barmonte.
Eleita uma das Sete Maravilhas do
estado, o Catimbau é, desde 2021, a Capital Pernambucana da Arte Rupestre, com cerca
de 30 sítios arqueológicos, dos quais cinco estão abertos para visita. O maior
deles é o Alcobaça, paredão de 60 metros com grafismos de grandes proporções.
Outras opções são a Loca das Cinzas e a Casa de Farinha, aos pés da muralha da
Serra de Jerusalém. Se tiver disposição, dá para terminar o dia com pôr do sol
no Chapadão, trilha fácil de 2km entre a fissura de um cânion e um mirante
natural, a 300 metros de altura, que se debruça sobre um vale em forma de
ferradura.
Artesã Simone de Souza: inspiração no quintal de casa — Foto: Eduardo Vessoni
São tantas
formas e cores que, de fato, aguçam a imaginação. Para o casal de artesãos de
Buíque Simone de Souza e Luiz Benício, a inspiração vem do quintal de casa, no
sítio Fazenda Velha, ao lado da Pedra do Cachorro.
— A gente traz tudo isso para a
escultura e dá nova vida à madeira que ia ser jogada fora — diz Simone, que faz
peças decorativas e utilitárias com umburana e jaqueira.
Arte do casal de artesãos de Buíque Simone de Souza e Luiz Benício — Foto: Eduardo Vessoni |
E o
resultado é a arte bruta que parece uma extensão do cenário lá fora.
— Comecei há 23 anos polindo minha
arte e colocando pigmentos de tinta, mas senti a carência de uma arte mais
rústica. Tirei então a lixa e hoje meu trabalho é o corte do facão e do formão
— conta Benício.
Assim como diz o ilustrador J.
Borges, que estava em viagem pelo agreste, “eu só trabalho no meu Nordeste
porque é a região mais rica em cultura popular”. E dá-lhe imaginação teimosa.
Por Eduardo Vessoni — Especial para O GLOBO
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