Morgan encontra arte na sua própria abertura às experiências, ao modo como a vida nos abala, altera e produz com maior inteireza. Mesmo muito jovem, devota-se a uma ética e uma estética da existência que evolve laços de amor e amizade, do interior dos quais a arte se desdobra como modo privilegiado de expressão.
Numa entrevista recente, o historiador de arte Georges Didi-Huberman recordava o já falecido poeta e cineasta Pier Paolo Pasolini para indagar: o que significa a liberdade artística, enquanto tudo ao redor está privado de liberdade? Se a liberdade artística pode atualmente se tornar um fetiche que esconde a falta de liberdade de todos os outros indivíduos, me parece que é de uma liberdade como a que põe em causa a obra de Morgan Leon, estabelecida numa linha de meditação que tateia com mãos cuidadosas os cruzamentos entre subjetividade individual e condição coletiva, que carecemos em tempos sombrios como os nossos.
Nesse sentido, me chama especial atenção, entre outros aspectos admiráveis, o teor simbólico por trás do modo como Morgan concebe o olhar das figuras humanas construídas em suas pinturas. Olhos e olhares que, nem determinados na direção para onde fitam, nem exatamente perdidos, quase sempre assemelham-se a vidros estilhaçados depositados novamente pelo artista na órbita ocular. Emblemáticos, olham para dentro e para fora, ao mesmo tempo, como aquele que os criou, representando mundos interno e externo para fazer de um sentimento particular um estado de espírito infinitivo.
Estão arrastados, esses olhos singularmente marejados, como os corpos aos quais pertencem e todo o ambiente criado por Morgan, pelos ventos da impermanência. Aliás, passeando por suas ilustrações, é num autêntico jardim de diferentes vivências onde ficamos imersos, feito de variações intensas, bem-aventuranças e entraves, prazeres e embaraços,. E se, a essa altura, já pudemos abandonar de vez a imagem convencional do artista como origem fundante, presumimos então que a beleza dos trabalhos futuros que este "Jardim das Estações" gesta não é resultado de uma progressão evolutiva. Como essas estações – e isso constitui sua imprevisibilidade instigante – terão nascimento a partir de crises, deslocamentos e reinvenções, sendo assim a sorte de singularidade irredutível com que Morgan nos presenteia.
A exposição vai acontecer do dia 23 a 31 de julho, das 16h às 22h, na Casa Galeria Galpão.

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