sábado, 17 de março de 2018

Mulheres cada vez mais defendendo mulheres: Universitários levam sorrisos e combatem a violência doméstica no Sertão do estado

O campus da UPE em Arcoverde oferece cursos de direito e odontologia para 244 estudantes. Moradores da região agora têm acesso à clínica odontológica e atendimento para mulheres vítimas de violência


Candida Carina Pereira Barbosa, Denise Luz e Martha Karolyne Silva Souza fazem parte do Escritório de Defesa da Mulher, elas assessoram juridicamente às mulheres vítimas de violência. Foto: Rafael Martins/DP.
Engana-se quem pensa que apenas o estudante é beneficiado com a construção de uma instituição de ensino. Cinco meses após a inauguração, a sede da Universidade de Pernambuco (UPE) em Arcoverde já mudou a vida de centenas de pessoas fora da comunidade acadêmica. Agora, moradores da região têm acesso à clínica odontológica e atendimento para mulheres vítimas de violência. O campus oferece cursos de direito e odontologia para 244 estudantes de 37 municípios de Pernambuco e de outras sete cidades do Nordeste.
O EDM ajuda as vítimas a reunir elementos para a condenação do agressor. Foto: Rafael Martins/DP.

A necessidade de criar mecanismos que protejam mulheres vítimas de violência fez com que um projeto de extensão do curso de direito da UPE Arcoverde desse início ao Escritório de Defesa da Mulher (EDM). Formado por 14 alunos e sete professores, o intuito do grupo é prestar atendimento, caso necessário, de apoio jurídico às vítimas. Eles fazem acompanhamento e encaminhamento em inquérito policial e depois levam as demandas ao Ministério Público. Nos casos mais graves, pedem a retirada da mulher de casa e quando estão sob risco de vida são levadas para albergues e outras cidades do Brasil. Atualmente, há dez processos judiciais ativos em andamento, graças à assessoria do escritório. As ações são feitas junto com a Coordenadoria da Mulher em Arcoverde, município de 73 mil habitantes no Sertão do estado, a 256km do Recife. 
"Uma pessoa que está determinada a matar vai matar. Houve uma ocorrência em que o sujeito rompeu a tornozeleira eletrônica e foi à casa da vítima. A sorte é que ele não a encontrou. Outra situação foi a de uma mulher estuprada pelo ex-marido", comenta a professora de Processo Penal, Direito Penal e Criminologia  e coordenadora do EDM, Denise Luz. Ela assegura que a pessoa leva mais ou menos dez anos para se livrar de um relacionamento abusivo. "Então é necessário que tenhamos o entendimento, porque algumas vezes a vítima acaba voltando para o agressor. Mas alguma hora ela se libertará".

Para Denise, o diferencial do grupo é a crença de que a prisão por si só não resolve a repetição dos casos. "A violência doméstica não é ao acaso. A forma como as pessoas internalizam as relações íntimas é uma questão muito delicada. São duas pessoas frutos de sua história. Sem uma intervenção psicossocial, o direito sozinho não dá conta", afirma. Ela comenta que é necessário um atendimento sério e prolongado para os filhos das pessoas que vivenciaram essa situação dentro de casa, para que não repita as ações dos pais.

Quando estudante, a advogada Candida Carina Pereira Barbosa, 31, participou do projeto. Hoje, atua junto com o grupo. "Estagiei na delegacia e todos os dias havia um registro de ocorrência contra a mulher. Mesmo após minha formação, continuo trabalhando no projeto de extensão". Um grupo maior de advogados atende um número maior de pessoas agora: "Acredito que agir na área seja a minha contribuição para sociedade a partir de uma causa que valha a pena lutar".
No sexto período do curso de direito da UPE Arcoverde, Martha Karolyne Silva Souza, 22, participa desde os primeiros semestres do projeto de extensão. "Sempre me senti motivada pelas causas sociais e questões ligadas a gênero. Me importo com as causas por me colocar no lugar do outro", comenta. Ao lembrar do primeiro relatório, ela se emociona, por não ter conseguido separar a vida profissional da pessoal. "Fiquei tão envolvida com o caso que a professora pediu para que eu buscasse separar um pouco. Um dia conversei com a vítima, a escutei durante cinco horas. Graças a Deus com a nossa intervenção conseguimos fazer com que ela se afastasse do agressor". 

A vítima a quem ela se refere é Adriana*, 35. Baiana, ela morou em Arcoverde e há um ano voltou para casa de familiares em Salvador. "Vivi um relacionamento abusivo e foi a pior fase da minha vida. Sempre escondida na casa de outras pessoas, com medo de morrer. Quando cheguei em Arcoverde encontrei uma pessoa com quem me relacionei sete anos. Durante o casamento, houve muitas brigas, confusões e chegou a uma situação que ou eu vinha embora pra Salvador ou morria”, lembra.

As brigas começaram gradativamente. A última confusão foi após o carnaval de 2017. Adriana recorda da atenção recebida pelo EDM. "Arcoverde não tem delegacia da mulher. O escritório de defesa me atendeu juridicamente. Lá, tive apoio para conseguir dar sequência e não desistir. Agora, estou totalmente em paz. Está um pouco difícil porque mudei tudo para voltar a Salvador, larguei emprego. Tive que me redescobrir”, comemora a vítima.

*Adriana é um nome fictício para proteção da vítima. 

Muito além da saúde bucal
Segundo Humberto Vidal, os alunos estão preparados para qualquer atendimento. Foto: Rafael Martins/DP.

A preocupação com a violência é uma realidade que também preocupa os estudantes de odontologia da UPE Arcoverde. Os alunos fazem parte de uma rede que visa unir mais a comunidade local com os estudantes e profissionais acadêmicos. Ainda nos primeiros períodos, eles fazem visitas nas proximidades com o intuito de coletar informações e registros. "Na atenção básica de saúde, os alunos conhecem mais a comunidade. Durante esse período, se identificarem algo suspeito de violência, seja contra criança, adolescente e mulheres, eles podem fazer o registro e notificação, pois existem formas de identificar quando algumas lesões são características de violência doméstica", ressalta o coordenador do curso de odontologia da UPE Arcoverde, Humberto Vidal.
 
Enquanto isso, dentro da clínica, 20 universitários atendem 4 pacientes todos os dias. Segundo Vidal, os alunos estão preparados para qualquer tipo de tratamento nos 11 consultórios instalados na universidade. “O curso de odontologia foi o mais concorrido no ano passado entre a categoria de cotistas. Na nossa formação há pessoas do Ceará, Paraíba, Bahia e outros municípios do estado, como Gravatá”, comenta.
Meryanne trocou o sonho de ser médica pelo de ser dentista após às aulas práticas de odontologia. Foto: Rafael Martins/DP.
Nascida em Arcoverde, Meryanne Pinheiro, 22 anos, está no último período de odontologia. "Antes, queria medicina, mas não pretendia ficar vários anos tentando. Então, resolvi prestar vestibular para odonto e aqui me encantei. Jamais trocaria o curso que faço hoje”.  

Fonte/http://www.diariodepernambuco.com.br

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