segunda-feira, 9 de novembro de 2015

EXCLUSIVO: Márcia Marina traz para Buíque o 7° lugar do 1º Concurso Literário do Tribunal de Justiça de Pernambuco

Arquivo pessoal
Quem esta feliz na nossa cidade de Buíque é a poeta e escritora Márcia Marina,tudo porque esta entre as ganhadoras do 1º Concurso Literário do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Foram escolhidos 20 contos e 20 poesias. A mesma ganhou na categoria CONTO. O conto dela ficou em 7° lugar. Foi o primeiro que escreveu. Por isso ela ficou tão surpresa!

conto
UM DIA DEPOIS DO OUTRO

Sentiu que estava sendo observada. Não era uma simples impressão. Tinha certeza que era acompanhada pelos olhos de alguém. Descia a calçada que dava acesso à entrada da Universidade. Estava suando e tremia um pouco. Ainda não estava completamente restabelecida. Desde a cirurgia, passaram-se apenas seis meses. Ainda não podia acreditar que tinha conseguido fazer o transplante de medula óssea. Estivera por quatro anos na fila de transplantes, entre a vida e morte, esperando ansiosamente por um doador compatível, até que finalmente, recebera o telefonema do hospital e a cirurgia pudera então acontecer. Lembrou a agonia de seus pais. Filha única de uma família abastada e rica, tinha sido diagnosticada com câncer há cinco anos. O tratamento feito inicialmente no Brasil e depois no exterior, não surtira o efeito desejado. E a doença alastrou-se ao ponto de obrigá-la a praticamente viver no hospital entre tubos e monitores. Só um milagre poderia salvá-la. A família fizera uma campanha ferrenha para conseguir um doador: nas repartições públicas, universidades, na internet... Todos os esforços foram em vão. Ninguém era compatível. Ela não tinha irmãos. O que dificultou ainda mais a busca por um doador. Quando todas as esperanças já desvaneciam, receberam a ligação do hospital. O seu milagre chegara! Tinha um doador compatível! A cirurgia acontecera sem problemas. Tudo ocorrera da melhor maneira possível e agora todos poderiam retomar as suas vidas. Ainda estava ocupando a mente com tais pensamentos, quando escorregou no degrau da escada e teria caído, se braços fortes não a tivessem segurado. Ergueu a vista e deparou-se com um par de olhos castanhos serenos lhe observando com simpatia. Era um rapaz negro, de feições agradáveis e muito bonito, que lhe perguntou numa tom gentil: - Você está bem? - Sim. Estava distraída e quase caí. Obrigada por me segurar. - Não foi nada. Você pesa muito pouco. Está fazendo regime? - Não - Respondeu divertida. - Apenas perdi peso, mas já o estou recuperando. Percebeu que ele a olhava fixamente. Sentindo-se incomodada, desviou os olhos. Ele ainda a segurava e ela pôde sentir seu aroma sutil e masculino. - Preciso ir, disse com a voz estranhamente rouca. Ele a soltou de imediato, perguntando-lhe: - Posso convidá-la para jantar? - Não posso aceitar. Desculpe. Talvez outro dia. Ele simplesmente acenou com a cabeça, e afastou-se, deixando-a olhando para ele enquanto andava em direção ao outro lado do campus da Universidade. Será que era ele quem a estava observando? Indagou-se. Se era, por que o fazia? Confusa, afastou-se em direção ao seu carro estacionado logo ali. Chegando em casa, jogou a bolsa e os livros em cima da mesinha do quarto. Dirigiu todo o percurso pensando no estranho de olhos escuros que a olhara tão intensamente. Ele era alto, ligeiramente musculoso, cabelo escuro e crespo, e cortado muito curto, rente à sua bem formada cabeça. Vestia calça jeans desgastada, camisa branca com as mangas enroladas na altura dos antebraços e tênis velhos. Nunca o tinha visto na Universidade. Ela já estava no último ano do curso de Direito, prestes a se formar. Seria uma advogada renomada, como seus pais, que possuíam o maior e mais conceituado escritório de advocacia da cidade, com uma vasta clientela entre as principais empresas comerciais e industriais da região. Atrasara o curso em dois anos por causa da doença, e só agora aos vinte e quatro anos é que estava terminando o curso numa das maiores universidades do país. Passadas duas semanas, estava no refeitório quando ele entrou, acompanhado de uma garota também negra e muito bonita. De imediato não a viu. Só quando dirigiu-se ao balcão para pegar o lanche é que a avistou. Sorrindo, dirigiu-se à mesa onde ela estava sentada. - Oi - disse-lhe amigavelmente, mostrando uma fileira de dentes muito brancos quando sorriu. - Oi - Respondeu ela. Você estuda aqui? Perguntou-lhe. - Sim. Estou no último período do curso de Engenharia Civil. - Nunca o vi na Universidade. - Creio que é porque faço o curso à noite. Sou bolsista. - Ah, entendi. Eu estudo pela manhã. Curso Direito. Último ano. Percebeu que a moça que o acompanhava os olhava com grande interesse. - Sua namorada está olhando pra cá. Deve estar te esperando. - Disse ela. - Não é minha namorada. É minha colega de sala. Estamos desenvolvendo juntos um projeto final para conclusão do curso. Por isso estamos aqui agora de manhã. - Sei. Bom trabalho, então. - O meu convite ainda está de pé. Aceita sair comigo? - Mas eu nem sei o seu nome! Esta já é a segunda vez que conversamos e nem nos apresentamos! - É mesmo! Disse sorrindo, enquanto estendia mão. - Eu sou Miguel. E você é ... - Themis. - Themis? Ela não é ... - A deusa grega da justiça, guardiã dos juramentos dos homens e da lei. Eu sei. Meus pais são advogados. Acharam apropriado para o futuro que planejaram para mim. Pelo menos foi isso que me disseram - afirmou com um sorriso irônico. - Sua amiga parece impaciente. Falou enquanto observava a moça tamborilar os dedos na mesa. Parecia que ele estava totalmente esquecido da colega de classe. Olhou para ela, em seguida voltou-se para Themis e disse: - Já nos apresentamos. Agora aceita meu convite? - Não sei - disse indecisa. - Estou convalescendo de uma cirurgia. Não posso ficar exposta a ambientes fechados. Preciso dormir cedo. Ainda tomo remédios com hora marcada. E tenho que seguir uma dieta balanceada para recuperar os quilos que perdi. - Bem, sendo assim, podemos passear na praia, ao ar livre, pedir água de côco pra você tomar o seu remédio e depois comermos um sanduíche natural. Que lhe parece? - Parece ótimo. Amo o mar, a brisa marinha. Convite aceito. Obrigada. - Domingo pela manhã? Às dez horas? - Sim. Onde nos encontramos? - Te pego em sua casa, certo? Dê-me o endereço. Disse-lhe onde morava. Em seguida despediram-se com um beijo no rosto. No dia marcado, Miguel estacionou o carro de seu pai na frente do prédio. Desceu do veículo, pediu ao porteiro que a chamasse, e ficou aguardando em frente ao portão. O porteiro o olhava com curiosidade. Certamente se perguntava o que um sujeito negro e aparentemente sem um tostão queria com a moça mais rica do prédio, filha de seus mais ilustres moradores. Sabia, por experiência própria, que os pais da menina eram extremamente racistas e preconceituosos. Para sua surpresa, a jovem desceu, e cumprimentando o recém chegado, acompanhou-lhe, entrando no seu carro popular que já tivera dias melhores. Em instantes o telefone da portaria tocou, e ao atender deparou-se com a voz do Dr. Aragão querendo saber com quem saiu a sua filha. Não parecia feliz. Parecia aborrecidíssimo. Miguel e Themis voltaram pelas cinco horas da tarde. Alegres e tagarelantes, estavam de mãos dadas, enquanto se aproximavam da portaria. Despediram-se com um breve beijo no rosto, e a moça entrou no prédio, não sem antes olhar pra trás para observar o rapaz até que este sumiu de sua visão. Suspirou e entrou. Depois daquele dia, muitas foram as vezes que Themis e Miguel saíram. E quase todos os domingos a cena se repetia: ele ia buscá-la pela manhã e só regressavam de tardezinha, aparentemente felizes e enamorados. Um dia no entanto, a moça desceu chorando e se jogou nos braços do rapaz, que a abraçou, acariciando seus loiros cabelos. Seus olhos verdes estavam inchados pelo pranto. Miguel se assustou. Nunca a tinha visto desse jeito. - O que foi, minha linda? Perguntou-lhe o rapaz. Já estavam distantes, mas o porteiro ainda conseguiu ouvir a resposta da moça: - Meus pais não aceitam o nosso namoro. Exigiu que acabássemos tudo hoje. Não aceitam um não como resposta. E eu não quero desistir de você, não quero desistir de nós. Disse que você seria o meu par na formatura, e eles simplesmente rejeitaram a ideia. Ameaçaram me deserdar, não pagar mais meu curso, cancelar a formatura. - O que mais eles disseram, Themis? Não me esconda nada, por favor. - Disseram que jamais aceitariam sangue negro na família. Que não tolerariam um João Ninguém casando com a filha deles. Eu disse que nos amávamos e que iríamos nos casar assim que nos formássemos. Eles disseram que você era um interesseiro. O rapaz consolava a moça. Entendia preocupação dos pais dela. Não o conheciam. E por não saber quem ele era, supunham que era inadequado para a sua filha. Ele vinha de uma família pobre. Seu pai era funcionário público, sua mãe, trabalhava no comércio. Era bolsista na Universidade, assim como seu irmão mais novo. Não tinham recursos financeiros, e ainda por cima todos eram negros. Difícil para uma família branca e aristocrática aceitar. Um dia, foi procurado no trabalho, por um casal elegante e bem vestido. Na hora reconheceu os pais de Themis. Estes não tinham uma feição amistosa. Pelo contrário, sem preâmbulos foram logo perguntando: - Quanto você quer para deixar em paz a nossa filha? Diga seu preço e pagaremos. Miguel ficou tão estupefato, que sequer respondeu. Dando-lhes as costas, dirigiu-se à saída da loja onde trabalhava, pois estava atrasado para um encontro. Iria à clínica onde fizera a doação de medula óssea que salvara uma vida. A família da paciente fazia questão de conhecê-lo, para agradecer pessoalmente. Não queria ir, sabia o que o esperava. Chegando à clínica, percebeu que já o estavam aguardando. Anunciada sua chegada, foi conduzido à sala onde era esperado. Lídia e Eduardo Aragão estavam em pé, esperando ansiosos para conhecer a pessoa que salvara vida de sua filha. Tinham uma dívida impagável com essa pessoa, e mal podiam esperar para conhecê-la. Ouvindo o barulho da porta que abria, ficaram estarrecidos, pois seguindo o médico que operara a sua filha, estava Miguel, o jovem negro que haviam tão ferozmente atacado há poucas horas! O rapaz estava sereno, sua fisionomia tranquila. - Você doou a medula para Themis? Perguntou Lídia, branca como um papel. - Sim. - Respondeu Miguel. Eu vi a campanha na Universidade, pedindo doação de medula para ela. Vim a este centro, fiz a doação. Quando ela ficou curada, fiz questão de conhecê-la. A observava na faculdade. Acompanhei sua recuperação. Nunca disse a ela. Nos conhecemos. Nos apaixonamos. E quero lhes dizer que casarei com ela. Sou negro, pobre, venho de uma família humilde, mas honrada e trabalhadora. Não quero o seu dinheiro, suas posses, seus bens. Meu único interesse é Themis e a felicidade que viveremos quando nos casarmos. E se vocês quiserem fazer parte de nossas vidas, conhecerem os filhos que teremos, brancos ou negros, serão aceitos. Se não o fizerem, que sejam consolados pela fortuna que possuem, pelos amigos interesseiros, carros, viagens e jóias, sem jamais receberem o afeto de seus netos, brincar de vovô com eles, empinar pipas, comer pipocas no cinema... No sangue de sua filha corre o meu sangue negro, as minhas células, a minha vida, que doei para ela muito antes de a conhecer. Eu a amo mais que tudo e não desistirei dela. E vocês?
 (Márcia Marina)

Da redação/Sandra Silva
Postado por San Produções & Eventos

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